O problema da vergonha

Uma grande dificuldade que temos que superar na vida cristã é a vergonha. O sentimento de culpa podemos resolver confessando e entregando o nosso pecado ao crucificado e ressurreto Senhor. A satisfação da justiça neste mundo pode ser alcançada por uma prisão ou uma devolução do dinheiro roubado, por exemplo. A vergonha, por outro lado, é algo mais complexo de resolvermos, pois envolve não apenas o indivíduo e Deus, mas também o sentimento e o posicionamento da comunidade quanto ao ato cometido.

Pedro, o apóstolo, passou mais de uma vez pelo problema da vergonha. A Bíblia relata algumas passagens dele enfrentando este poderoso inimigo. Uma delas está descrita no evangelho de Lucas entre os versículos um e onze na conhecida passagem da pesca maravilhosa.

Jesus, após pregar para a multidão, direcionou Pedro – que havia pescado a noite toda no local certo e no momento certo – a lançar as redes novamente, mas agora fora de hora e no local errado aos olhos dos pescadores experientes. Pedro ouviu o que Jesus disse e, após a pescaria, voltou com o seu barco quase afundando devido à grande quantidade de peixes pescada. Ao ver o que havia acontecido ali, Pedro se prostra aos pés de Cristo e diz:

Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador.

Lc 5.8b.

Pedro sabia que estava diante de um homem de Deus, santo. Sabia que não merecia estar diante dele, pois conhecia seus próprios pecados, tanto os que estavam em evidência para todos quanto os pecados secretos que guardava em seu coração. Pedro se sentiu envergonhado diante de Jesus, da comunidade e de si mesmo. Ele se sentiria um grande hipócrita se ignorasse quem ele realmente é, toda a sua imundícia, e simplesmente se declarasse discípulo do Senhor. Por outro lado, mesmo saindo de perto de Jesus ele ainda teria que lidar com a vergonha, pois ela o acompanharia a partir daquele momento.

Se não fosse resolvida a vergonha profunda de Pedro, ela iria paralisá-lo espiritualmente, tirar a sua alegria, paz e a esperança de ser alguém melhor diante de Deus, da sociedade e de si mesmo.

Mas ele não lutava contra si mesmo apenas para se livrar da vergonha, pois o Senhor o conhecia muito bem e isso o envergonhava. A comunidade o conhecia também e isso agora o constrangia profundamente. Certamente ele tinha um grande problema para resolver, mas como poderia fazer isso?

Deus precisava acolhê-lo livremente, espontaneamente, conferindo-lhe a certeza do perdão e da aceitação. A comunidade precisava olhá-lo de forma diferente, não mais como alguém culpado, imundo, sem honra ou dignidade por causa do pecado. E ele mesmo, Pedro, precisava vencer a vergonha por seus atos pecaminosos cometidos. Ou seja, era necessária uma ação divina, uma ação da comunidade e uma ação do próprio Pedro para que a vergonha fosse vencida.

Jesus resolveu esta situação para Pedro. Ao invés de desprezá-lo pelos seus erros e sua imundícia, o Senhor disse a Pedro:

Não temas; de agora em diante serás pescador de homens.

Lc 5.10b

Dizendo isso, Jesus deixou claro para Pedro que Deus estava pronto não simplesmente para recebê-lo como um bom homem ou um pescador de coração bom, mas fazer dele um instrumento poderoso na obra de Cristo no mundo.

Jesus mostrou para Pedro que ele não precisava mais se envergonhar diante dele ou do Pai, pois fora aceito incondicionalmente e amorosamente. Pedro havia sido perdoado e acolhido pelo Senhor!

Aqueles que estavam acompanhando ao Senhor, ao ouvirem o convite de Cristo a Pedro, já não poderiam mais julgá-lo, pois afinal o próprio Mestre recebera Pedro como seu discípulo e servo na obra. Isso ainda é muito difícil na comunidade da fé, a igreja. A verdade é que:

Muitas vezes relutamos para perdoar, acolher e andar junto daqueles que erraram de alguma forma, principalmente quando o pecado em questão faz parte daqueles que, pela igreja, são tidos como maiores, imperdoáveis e inesquecíveis. Não podemos ser assim!

Pedro, diante do perdão e acolhimento do Senhor e da aceitação daqueles que estavam com Cristo sem acusá-lo pelo seu passado, pôde trabalhar no seu interior e vencer a vergonha. O inimigo poderoso fora vencido, Pedro deixou sua antiga vida para trás e passou a seguir Jesus.

Aprendamos estas lições:

• Deus nos perdoa e acolhe amorosamente. Em Cristo, já não precisamos ser atormentados pela vergonha.
• Quando um irmão pecar e se arrepender, não sejamos obstáculo em sua vida espiritual. Se o Senhor já o perdoou e recebeu, quem somos nós para julgá-lo ou rejeitá-lo?
• Se o Santo Senhor já nos acolheu incondicionalmente em seu amor, quem somos nós para nos julgarmos e punirmos pela vergonha?

Cabe a nós agora simplesmente seguirmos ao Senhor, acolhermos outros em Cristo e cumprirmos a sua obra no mundo!

Nossa oração

Senhor, tu sabes o quanto tenho sofrido com a vergonha.

Tu sabes que errei, magoei pessoas e, acima de tudo, magoei o teu coração. Sei que já pedi perdão e que fui perdoado por ti, mas ainda tenho tido dificuldade para voltar à comunidade da fé, pois, mesmo que poucos saibam do meu erro, sinto-me imundo para estar na tua casa, no meio do teu povo.

Confesso que é também pelo medo de ser julgado e rejeitado pelos irmãos que tenho me afastado. Peço que me ajudes a vencer a vergonha e toques no coração de outros para que livremente me perdoem e me recebam novamente na tua igreja. Quero andar contigo e estar no meio do teu povo.

Dá-me um coração igual ao teu para que eu possa sempre perdoar aqueles que me ofendem e prejudicam. Como tu fazes, que eu receba e acolha todos pecadores que arrependidos voltam para ti. Que eu faça isso sem condená-lo por seus erros, mesmo que pareçam gigantes para mim.

Abençoa-me, Senhor.

Em nome de Jesus Cristo. Amém.